Como é do conhecimento geral e foi objeto de divulgação pela generalidade dos órgãos de comunicação social, o Ateneu de Coimbra confronta-se com a necessidade de abandonar as suas instalações históricas, por razões que não são as da vontade desta Associação. Nesse sentido, encontramo-nos à procura de uma solução que possa atender às nossas necessidades infraestruturais, de modo a garantir a continuidade da atividade cultural e humanista, que o Ateneu de Coimbra persegue ininterruptamente desde 1 de dezembro de 1940, e a atividade de solidariedade social que vimos abraçando desde 1977.
Nos últimos dias vimos sendo confrontados com um equívoco posto a circular nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais, em cujos termos a Câmara Municipal iria ceder ao Ateneu de Coimbra, para o referido realojamento, as instalações da Casa-Museu Miguel Torga. Tratando-se de um mal-entendido, cuja motivação não nos cabe caracterizar ou comentar, tudo aparenta estarmos perante o desconhecimento básico, quer da missão e da atividade quase centenária do Ateneu de Coimbra, quer da missão da Casa-Museu Miguel Torga, quer ainda das características morfológicas da Casa-Museu. Só esse desconhecimento poderá ter levado à descabida sugestão, em tom de quase denúncia, de um “realojamento” que a realidade dos factos claramente desmente.
O que importa esclarecer é que, no quadro da dinamização da recentemente criada secção Universidade Popular de Coimbra (UPC), foi acordada com a Câmara Municipal de Coimbra a utilização do auditório da Casa-Museu Miguel Torga para realização das sessões de formação da UPC. Assim, era explicitado, no protocolo agora suspenso, que o Ateneu de Coimbra se comprometeria a “propor ao Município de Coimbra a calendarização das atividades da Universidade Popular de Coimbra, concebidas de modo a garantir a não interferência com as atividades próprias da Casa-Museu Miguel Torga”.
O Ateneu de Coimbra considera a Casa-Museu Miguel Torga um espaço essencial de evocação da vida e da obra de um vulto maior da Cultura nacional. A proposta de realização de atividades da UPC no seu auditório perseguia, tão-só, o desiderato de contribuir para a valorização de uma Casa naturalmente precisada de dinamização, não obstante o meritório esforço de técnicos superiores municipais de manterem a Casa-Museu aberta a visitas marcadas e atividades pontuais. Nesse sentido, o Ateneu de Coimbra propôs ao Município a planificação de, pelo menos, três atividades/ano ligadas a temática literária e/ou personalidades das artes e letras, relacionadas com a Cidade de Coimbra, entre as quais se destaca naturalmente a obra de Miguel Torga. Neste contexto, a Universidade Popular de Coimbra tem já programada uma iniciativa sobre Torga em janeiro de 2025.
Em comunicado publicado pelo órgão concelhio de um Partido nas redes sociais, e com divulgação na imprensa, “[exortam-se] os corpos sociais do Ateneu a reconhecer a obra de Miguel Torga, a respeitar a sua memória e a sua luta contra o fascismo na defesa da Democracia e Liberdade em Portugal”.
Tal exortação resultará de motivações que nada terão a ver com a defesa da obra de Miguel Torga e, menos ainda, com preocupações (súbitas, de resto) com a dignidade da Casa onde viveu o Escritor. Mas a exortação bate, claramente, à porta errada, desrespeitando, queremos crer que apenas inconscientemente, o legado do Ateneu de Coimbra na luta contra o fascismo na defesa da Democracia e Liberdade em Portugal. Ontem como hoje.
O Ateneu de Coimbra foi sempre casa de porta aberta. Desconhecerão, porventura, os redatores do comunicado em questão, os nomes e o legado dos democratas da sua própria área que frequentaram o Ateneu no tempo em que entrar naquela porta era um ato de coragem.
A disputa agora anunciada não é assunto da vida do Ateneu. O Ateneu escolheu para si a condição de lugar de debate, de memória cívica, de ação humanista, de exercício da Cultura, colocando-se à margem dos conflitos que não sejam os da construção de um mundo solidário. Essa a razão pela qual o Ateneu de Coimbra irá propor ao Município apoio na procura de outra solução, que não a Casa-Museu Miguel Torga, para a realização das atividades da Universidade Popular de Coimbra, sem prejuízo da nossa prontidão para colaborar com o Poder Local Democrático e com a Casa-Museu Miguel Torga na evocação da obra e da vida do grande Escritor.
Coimbra, 28 de outubro de 2024
A Direção do Ateneu de Coimbra
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